Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver do universo…
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer,
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura…
Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.
Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave,
Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe de todo o céu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver.
Alberto Caeiro
O que Você consegue Ver da sua Aldeia?
Você já Exercitou o seu Olhar?
Você sabia que assim como o nosso corpo, a nossa sensibilidade, os sentidos também precisam ser exercitados? É justamente por isso que as dinâmicas ou atividades educativas são tão importantes no aprendizado.
O professor João Francisco Duarte Junior em seu livro “O sentido dos sentidos, a educação (do) sensível” mostra de forma brilhante como somos educados para desenvolver o raciocínio e o intelecto e deseducados para a nossa sensibilidade, para a convivência, para o viver junto.
É preciso estimular a nossa sensibilidade para que possamos perceber o mundo ao nosso redor. Aprender a Ler o Ambiente no qual estamos inseridos, entender os desafios, os potenciais de cada contexto.
Para tanto, destacamos aqui 4 exercícios do olhar que podem facilitar este processo:
Os 4 exercícios do olhar:
1.SENSIBILIZAR
O primeiro exercício do olhar é a sensibilização para o local que se pretende trabalhar, seja através de fotos, de passeios, estudos do meio, caminhadas diagnósticas, buscando aguçar os sentidos para uma nova maneira de ver este local. Precisamos redescobrir os lugares por onde passamos todos os dias, enxergar com novos olhos, perceber com outros sentidos.
Sugestão de Dinâmica: Trilha das Sensações (futuramente vou detalhar esta dinâmica para você)
Uma dinâmica simples de sensibilização, mas muito provocadora é a “Trilha das Sensações”, uma vivência do ambiente e de seus elementos a partir dos outros sentidos, deixando de lado, por alguns instantes, a visão, nosso sentido mais utilizado e mais exaltado:
2. CONHECER A REALIDADE E SEUS HABITANTES
Uma dinâmica boa para isso é a Caminhada Diagnóstica – o segundo exercício do olhar consiste no processo de conhecer a realidade que nos cerca de outra forma, de uma maneira mais profunda e mais atenta, sobretudo, mais comprometida.
A nossa realidade é múltipla e complexa, como um tecido composto por vários fios e muitas tramas, perceber o que está por trás desta aparente realidade, desvelar este local é também um exercício do olhar.
No processo de Educação Ambiental é importante explicitar, numa representação partilhada da realidade, as percepções acerca do ambiente em questão, seja ele a casa, a rua, o bairro, o município, a bacia hidrográfica. Não importa o recorte que façamos deste ambiente, importa que faça sentido aos educandos para que eles se reconheçam como parte deste local. Aprender a partir da realidade, da vida cotidiana – quantas possibilidades de aprendizado não desperdiçamos ao fechar a janela e a porta da nossa sala de aula, deixando lá fora toda uma vida repleta de sentidos a serem descobertos.
Resgatar os saberes esquecidos desta comunidade, do bairro ou da cidade, conversar com os moradores mais antigos, ouvir as pessoas, os habitantes deste local, quantos conhecimentos importantíssimos poderemos encontrar. Ter na caminhada diagnóstica (em breve mais detalhes !! :-)) um morador que vive no local há mais tempo, um líder comunitário que conhece cada pedaço, cada nascente, cada córrego, uma pessoa ou um grupo de pessoas que vão contar aos mais novos quais as alterações que este lugar já passou, trazer este histórico, descobrir junto esta realidade é um fator essencial neste caminho da percepção ambiental.
3. PARTILHAR SABERES
Todo o processo educativo, para que faça realmente sentido aos que dele participam deve ser desenvolvido de forma participativa. Participação implica em distribuição de poder, ou melhor, partilha de saberes, partilha de conhecimentos. Apesar da abertura dos principais fóruns e espaços públicos de debate na área ambiental, a participação efetiva da sociedade civil, ainda é um ideal a ser alcançado. A participação é um exercício que envolve um aprendizado, uma percepção dos conflitos e de suas possibilidades de negociação, é um processo que precisa ser conquistado diariamente.
A participação, ao ser exercitada na escola, através de debates, simulações de audiências públicas, jogos de papéis (role-playing-games) e planejamentos participativos, o aprendizado para a participação vai sendo desenvolvido, a nossa capacidade de negociação e argumentação vai se aprimorando. Numa educação para a cidadania, tais habilidades são fundamentais e a escola em sua relação com a comunidade é um espaço bastante propício para tais práticas.
As metodologias participativas surgem como um grande recurso no tratamento das questões socioambientais e, se estiverem inseridas num processo educativo mais amplo podem potencializar o processo permitindo que todos se reconheçam no caminho. O mais importante a ressaltar é que no tratamento das questões socioambientais, os mais variados saberes de uma realidade são pertinentes: o conhecimento do especialista é tão importante quanto o do leigo, que tem uma vivência local e pode apresentar pontos de vista essenciais para a construção do projeto. Assim como as lendas, os mitos nos mostram formas de perceber a natureza tão importantes quanto os conhecimentos técnicos e científicos acerca do local. Religar estes saberes é também um desafio que não podemos perder de vista.
4. CRIAR, TRANSFORMAR O LUGAR, CULTIVAR
Um último exercício do olhar é o que diz respeito ao processo criativo, transformar o ambiente é uma forma de exercitar o nosso potencial de criação, cultivar, plantar, transformar, recriar.
O processo criativo é sempre interno e externo, ao transformar o ambiente eu me transformo também. O ambiente nos mostra possibilidades de ação por vezes esquecidas, quanto de cidadania podemos aprender na prática de construção de um jardim comunitário: a distribuição de tarefas, a escolha das espécies, a definição do local, a divisão de recursos, a participação de cada parte num projeto coletivo. E o mais interessante é que os frutos ou melhor, as flores vão surgir rapidamente, alegrando o nosso lugar, que agora é realmente nosso, pois fomos nós que plantamos, e depende de nós o cultivo e o cuidado com o mesmo. Quanto de auto-estima perdida de nossos moradores não pode ser ampliada com o simples acompanhamento de um jardim em flor? Quanto de um ambiente cinzento e sem vida não pode ser colorido com vários canteiros floridos? As possibilidades de um simples jardim, construído, planejado coletivamente, de forma participativa são, no mínimo, instigantes.
Acreditamos que educar o olho para enxergar as flores e o céu, assim como educar a mão para cultivá-los (céu, flores e amigos) seja a divisa mais importante no mundo da Cultura, no seu sentido mais agrário: rasgar o solo árido, revolver a terra, plantar a semente, irrigar com um pouco de poesia…(Marcos Ferreira Santos).
Nestes breves “exercícios do olhar”, vamos entender como o ambiente é percebido pelas pessoas que vivem e estão neste local. É a partir deste entendimento que vamos construir o processo, que vamos discutir o que queremos para o nosso bairro, para a nossa escola, o que pretendemos fazer com o nosso ambiente e qual será a nossa responsabilidade nesta caminhada. Um caminho, vários caminhos possíveis, não há receitas nem planejamentos prontos, é um processo a ser construído a cada dia, a cada momento, e é nesta construção que está a riqueza do processo.
E assim nos tornamos ricos, desenvolvendo as nossas próprias riquezas e virtudes, enxergando o nosso ambiente, percebendo-nos como parte deste ambiente, e contribuindo para uma mudança urgente e necessária.
Se a nossa única riqueza é ver, como diz o poeta, então precisamos de uma educação que nos estimule a ver as coisas, aguçando a nossa sensibilidade, questionando valores, hábitos e atitudes, rumo a uma mudança de comportamento, que permita uma vida mais equilibrada, mais sustentável.
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Até nossa próxima conversa…
Para Saber Mais:
Fernando Pessoa, Obra Poética. Volume único. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2005
O sentido dos sentidos a educação (do) sensível. João Francisco Duarte Júnior. Curitiba: Criar Edições Ltda, 2006
MAPPEA: Mínima Aproximação Prévia para elaboração de Programas de Educação Ambiental. Ministério do Meio Ambiente/DEA Brasília, 2007 (Disponível em: http://mma.gov.br/estruturas/educamb/_arquivos/dt_15.pdf)
Agenda 21 Escolar Embu das Artes. Sociedade Ecológica Amigos do Embu. 2005/2006 (Disponível em http://seaembu.org/docs/agenda21_escolar.pdf)
Novas Mentalidades e atitudes: diálogos com a velha educação de sensibilidade. Marcos Ferreira Santos, 2001 (Disponível em http://www.nossosaopaulo.com.br/Reg_SP/Educacao/M_EducSensib.htm)
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ola maro, gostei desse texto os 4 exercícios do olhar, tema bastante relevante para aula de geografia, fazer com que os alunos tenha uma percepção maior do local onde moram, onde muitas vezes aspectos importantes do espaço onde vivem passam despercebidos por exemplo: um rio ou igarapé, parques, praças ou ate um monumento histórico possam ser visto com outro olhar.
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Olá!
A medida em que vou me envolvendo com os textos suas poesias e esses exercício do olhar, me encho de curiosidade e já tento me organizar para usufruir e colocar em prática esses ensinamento.
Por enquanto só me deleitando com seus escritos e mensagens.
Obrigada pela contribuição!