“Educar hoje é comprar uma briga”
É com essa frase que Stela começa a me contar a sua história: “educar é comprar uma briga”, confira aqui a história de uma guerreira que sempre lutou na sala de aula para não perder nenhum aluno, para realmente fazer a diferença.
Stela é boa de briga!
Já teve que brigar com aluno que queria roubar o colega na frente da escola, com policial armado que entrou na escola para revistar o aluno no meio do corredor, com pai de aluno que veio tomar satisfação de uma bronca dada durante a aula.
Stela acredita que seus alunos devem ter as mesmas oportunidades que suas filhas, é um pouco mãe de cada aluno. Acolhe, briga, defende, protege…Educa, no sentido mais autêntico da palavra: dá limites, mostra caminhos, estimula o pensamento crítico.
Com seu jeito bravo mas muito acolhedor, ela realmente se importa com os alunos, já foi visitar aluno no Centro de Internação e foi a única visita deste aluno que ela diz que perdeu, pois quis seguir o destino do pai e foi preso por homicídio, ela tentou mas não conseguiu.
Ser a Stela deles
Muitos outros ela ganhou, Carol foi uma das alunas que virou professora e agora postou na rede social “Quero ser a Stela deles” o que ela reconhece que não é para qualquer um. Numa troca de mensagens alunos antigos lembram da diferença que a professora Stela fez na vida deles, depoimentos que emocionam quem ainda acredita na educação.
Fazer a diferença
Fazer a diferença é outro princípio que Stela segue a risca, se eu estou ali é para mudar a vida daqueles jovens, quero fazer a diferença. Muitos alunos não tinham mãe, nem pai, nenhuma referência na família que os pudesse guiar para um caminho ético, mas por sorte tiveram Stela em suas vidas.
Uma professora inteira, de corpo e alma que não fugiu à luta, estava lá presente, para enfrentar os alunos e orientá-los no bom caminho.
Medo, por quê?
Nunca tive medo, era mais forte do que eu, sabia que o que eles precisavam era de limite e cuidado.
Quando todos os professores da escola não sabiam o que fazer, chamavam Stela e ela resolvia a situação, sem medo, com toda a coragem que só os fortes que vivem o conflito na luta diária conseguem ter.
Foi assim que Stela conseguiu que os meninos limpassem com água e sabão a parede pichada da sala de aula, foi assim que ela conseguiu que um aluno não roubasse o colega, numa confusão com gangue e tudo em frente à escola, foi assim que ela conseguiu que uma mãe acompanhasse o filho diariamente na aula para melhorar suas notas.
Stela transformava o conflito em oportunidade de diálogo, sempre com foco na formação completa do ser humano. Conseguia enxergar na raiva um pedido de ajuda, na agressão, uma necessidade de ser ouvido.
CNV: uma ferramenta poderosa
Mesmo sem saber, Stela praticava a Comunicação Não Violenta, aquela linguagem do coração, que enxerga o ser humano por trás das palavras e consegue perceber em cada fala um pedido de por favor ou de obrigado, como escreveu Marshall Rosenberg.
Educar transforma é o seu lema! Stela acredita no poder da educação para transformar o nosso país e fez disso a sua prática, o seu desafio, a sua luta.
Educar de corpo e alma, por inteiro
Como uma guardiã da escola se colocou na linha de frente, inteira com toda a sua força e sua fragilidade, muitas vezes sem apoio.
A gente precisa estar na sala de aula por inteiro, educar de corpo e alma, não adianta só ensinar Gramática, a gente precisa também pensar no bem-estar do aluno, no ser humano que está na nossa frente.
Hoje Stela está afastada da sala de aula por causa de uma depressão, sentiu na própria pele os efeitos de um sistema de educação que precisa de muito cuidado, que não prepara o professor para os desafios complexos enfrentados a cada dia, mas diz que não perdeu sua essência, sua crença na educação e no potencial do ser humano.
Quem cuida do Professor?
Quem cuida do professor neste contexto?
Será que se tivesse aprendido a lidar melhor com os seus sentimentos teria passado pelos conflitos da sala de aula sem se machucar tanto?
Será que se tivesse contado com mais apoio, um grupo de mediação de conflitos dentro da própria escola, seu trabalho não teria sido mais fácil?
O que podemos fazer para que professores brilhantes como Stela não acabem com sua saúde mental ?
Quantos afastamentos ainda precisaremos notificar, quantos professores ainda terão que pagar um preço tão alto para viver o seu propósito, por não estarem preparados para lidar com os conflitos diários de uma sala de aula?
Eu acredito que a Comunicação Não Violenta é uma ferramenta imprescindível para os professores brasileiros que hoje estão na linha de frente de um sistema doente que precisa mudar urgentemente.
Os 4 passos da Comunicação Não Violenta
- Fatos:O que aconteceu de fato? Qual foi a mensagem difícil de ouvir?
- Sentimentos: O que este fato provoca em mim? ( medo, raiva, alegria, tristeza…)
- Necessidades: Qual a necessidade humana universal que este aluno está querendo atender com essa atitude (atenção, conexão, respeito, ser ouvido, ser visto)
- Pedidos claros, específicos: Como transformar essa necessidade que precisa ser atendida num pedido claro e específico.
Stela conseguia fazer isso, ouvir o aluno, separar os fatos dos sentimentos, diante do conflito mantinha a calma e a autoridade de uma professora/ vice-diretora de escola, mas isso não foi suficiente para blindar o seu emocional para que não fosse atingida por tanta agressão.
Histórias de sucesso
As histórias de sucesso da professora Stela são muitas. Por exemplo, a de uma mãe que entrou na sala para bater no aluno. Stela interviu e disse que a senhora não poderia fazer aquilo e perguntou os motivos pelos quais a mãe estava lá.
Meu filho tirou nota baixa, ele precisa estudar mais!
Depois de ouvir Stela a mãe decidiu que o melhor a fazer seria assistir às aulas junto com o menino, pediu permissão para a professora e daquele dia em diante lá estava a mãe todo dia às 07h30 da manhã até às 12h30 sentada ao lado do filho.
No início Stela estranhou e ficou com receio que a presença da mãe pudesse perturbar a aula, mas logo notou que ela ajudava a manter a sala com atenção, quando um menino começava a conversar logo o outro falava:
Fica quieto, olha a mãe do João!!!
História de sucesso! As médias do João passaram de 3,0 /4,0 para 6,0 / 7,0 e a mãe também tomou gosto pelo estudo e voltou para o supletivo (na época). Olha a transformação que a professora fez na vida deste aluno, desta família! Não é incrível?!
São histórias como esta que enchem de alegria o coração de Stela, ela conta com brilho nos olhos, mostrando que conseguiu fazer a diferença na vida dos alunos que passaram por sua vida. E eles também fizeram dela uma pessoa melhor.
Professor, qual o seu maior medo?
Parece difícil de acreditar mas o maior medo de Stela era sair da sala de aula, ela nunca teve medo dos alunos, nem da violência em que estavam inseridos, sempre enxergou o ser humano por trás de cada aluno, enfrentando com muita coragem os conflitos e ocupando o seu lugar com autoridade. Stela demonstrava a confiança que os meninos precisavam, o cuidado que muitas vezes não traziam de casa.
“não dá para sermos só conteudistas, temos que pensar como o clínico geral e não como o médico especialista”
Quais os recursos internos que o professor precisa desenvolver para estar neste campo de batalha?
Com quem ele pode contar na sua luta diária?
São algumas das perguntas que precisamos nos fazer para que não tenhamos tantas “Stelas” afastadas da sala de aula, impedidas de cumprir o seu papel tão essencial na transformação desse país.
Por que estamos fazendo isso com nossos professores ?
Os profissionais que ensinam os nossos filhos, aqueles que nos ajudaram a chegar onde chegamos, aqueles que nos ajudam a ser quem nós somos e que merecem todo o nosso respeito e admiração.
De qual time você faz parte?
Será que estamos jogando no mesmo time ou estamos brigando uns com os outros?
Educar é comprar uma briga, mas para isso precisamos estar junto: pais, professores, coordenadores, diretores, orientadores, técnicos, mestres, doutores, todos que trabalham com esse bem tão precioso que é a educação.
Onde está nosso propósito comum? Onde foi parar nosso sentido de grupo, nossa união? Até quando vamos abandonar os professores na linha de frente para que adoeçam sozinhos?
Essa briga é nossa e de todos que decidiram trabalhar pela educação e com educação, precisamos nos unir para fazer a diferença na vida de uma pessoa, de muitas pessoas.
Acreditar na educação é acreditar no ser humano, é lutar sem desistir, é entender que para mudar o mundo precisamos começar por cada um de nós.
Obrigada Stela por compartilhar comigo a sua história, os seus sonhos, a sua coragem e o seu comprometimento. Encontrar professores como você me faz continuar o meu trabalho, me faz acreditar na possibilidade de mudança.
Para terminar deixo aqui o relato autêntico da nossa querida Stela, de alguém que não teve medo de enfrentar os desafios da profissão, que esteve inteira como professora e que ainda consegue encontrar alegria e força para continuar na escola, que não faz distinção entre os seus alunos e suas filhas, mas sim quer o melhor para cada jovem que teve o privilégio de ser seu aluno.
Palavras da Stela
Umas das coisas que mais temia na minha carreira era me aposentar fora da sala de aula. E aconteceu! Ainda não me aposentei, mas não darei mais aulas para adolescentes. A escolha, que para mim era motivo de satisfação, orgulho e alegria, também colaborou para um esgotamento mental.
Hoje, perdi a capacidade laborativa em regência constante, mas não perdi minha essência. E cada momento em que trabalhos escolares são desenvolvidos e expostos, sinto uma saudade imensa pois penso que, certamente, meus alunos estariam ali brilhando também.Foi com muita terapia que aceitei estar na escola e não lecionar. Lembro-me de muitos rostos de alunos, muitas vozes, entretanto de poucos nomes. Alguns se destacaram, outros se perderam, uma parte deu bastante trabalho e os mais problemáticos me ensinaram.
Aprendi com eles o que é tolerância, paciência, solidariedade. Muitos me ensinaram a amar aqueles que não são como queremos e entender que, em alguns momentos, o grito de raiva representa um grito de socorro.Quando vejo meus alunos se tornarem professores, acredito que eles querem mudar o mundo pela educação. Que, em algum momento, meus colegas e eu conseguimos plantar uma semente de esperança e solidariedade.
Pendurarei a Gramática, mas jamais o ideal de ver o mundo se transformando pela educação.(relato de Stela Rodrigues numa rede social)
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Linda historia
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São educadoras como ela que não deixa a Educação morrer. Infelizmente, os valores estão sendo invertidos . Quem cuida de pessoas preciosas como ela?
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Salve, Marô.
Bom trabalho, guerreiras. Sugeri o seu blog para algumas educadoras que respeito e que trabalham em diferentes espaços. Muitos são bastante diferentes da realidade da Stela. Desejo-lhe boa sorte em sua empreitada. Um grande abraço,
Zé Renato Mangaio – admirador de seu trabalho e de toda a constelação que te cerca.
Minha saúde está ótima, mesmo em final de doutoramento rerer;)